Os conflitos agrários que assolam o Cerrado ganham força devido a um conjunto de fatores complexos, que vão desde a morosidade do sistema judiciário até as autorizações estatais para desmatamento em áreas ainda em litígio. A dificuldade de acesso à justiça por parte de povos e comunidades tradicionais também agrava a situação. Essas questões foram levantadas por agricultores familiares, especialistas e um juiz agrário do Maranhão, estado que lidera o ranking de disputas por terra no Brasil.
Em Balsas, Maranhão, um dos principais polos do agronegócio e o segundo município que mais desmata no país, a reportagem encontrou agricultores familiares sob ameaça, relatos de pulverização aérea de agrotóxicos e assédio financeiro, além de um panorama do desafio enfrentado por juízes que atuam na região.
Um dos pontos críticos apontados pelos posseiros de Gerais de Balsas é a falta de apoio para enfrentar as disputas. Sem recursos para arcar com os custos de um advogado, eles dependem da Defensoria Pública ou de profissionais que atuam de forma voluntária. O difícil acesso geográfico das comunidades também dificulta o contato com as instituições do Estado.
A presidente da Associação Camponesa do Maranhão (ACA), Francisca Vieira Paz, que presta assistência a comunidades e povos tradicionais envolvidos em conflitos agrários, critica a omissão do Estado. Segundo ela, os movimentos sociais e pastorais sociais representam a última barreira de proteção para esses povos que defendem o que resta do bioma Cerrado. Francisca Vieira Paz ainda aponta a lentidão do Judiciário como um fator que contribui para o avanço da soja, do milho, do algodão e do gado sobre os territórios em disputa.
O Maranhão, ao lado do Pará, é o estado com o maior número de conflitos agrários no país, de acordo com o monitoramento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O governo estadual incluiu as disputas fundiárias entre as prioridades da gestão.
O juiz Delvan Tavares, da Vara Agrária de Imperatriz, explica que os conflitos geralmente se iniciam quando um produtor rural compra uma área e começa a desmatar o Cerrado em áreas reivindicadas por comunidades tradicionais. Ele reconhece a morosidade do sistema judiciário e relata que, desde que assumiu o posto, tem tentado agilizar os processos por meio de inspeções judiciais nos locais em disputa.
Para o magistrado, um dos maiores problemas são as autorizações de supressão de vegetação emitidas sem que esteja definido quem tem o direito ao uso da terra. Ele considera que essa crise está mais relacionada a autorizações indiscriminadas de órgãos de proteção ambiental do que à lentidão da Justiça.
Outro fator que contribui para a situação de conflito é a dificuldade para verificar a veracidade e a consistência dos documentos cartoriais. O juiz Tavares cita o caso de uma área grilada que, com financiamento de banco oficial, desmatou cerca de 600 hectares de Cerrado.
Pesquisas da Universidade Federal do Pará (UFPA) destacam o papel da grilagem no processo de abertura de novas áreas de desmatamento. O professor de economia política Danilo Araújo Fernandes argumenta que a grilagem, ao baixar o preço da terra, torna lucrativa a abertura de novas áreas para a produção agrícola.
O juiz aposentado Jorge Moreno, que dirige o Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (Comsulote), destaca o preconceito com comunidades tradicionais como um obstáculo para a resolução de conflitos agrários. Segundo ele, existe uma mentalidade de que o agricultor familiar representa o atraso, enquanto o agronegócio representa a modernidade.
Questionada sobre a falta de apoio do Estado, a Defensoria Pública do Maranhão (DPE/MA) informou que possui o Núcleo Regional de Balsas para defender comunidades vulneráveis afetadas por conflitos fundiários ou problemas socioambientais.
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

